Em dezembro de 2012 recebi uma proposta inesperada. Em uma conversa com o amigo André Miranda, do blog O Aventureiro, ele me encomendou um arco tradicional, pois estava cansado das modernidades do seu arco composto. Aqui eu conto como foi fazer o longbow do Aventureiro!
Confesso que inicialmente fiquei preocupado em aceitar, afinal, o Miranda é um entusiasta do mundo tradicional/primitivo, com o costume de adquirir coisas de qualidade reconhecida no mundo outdoor. Mas por ser um amigo de longa data, e por saber que ele seria a pessoa mais indicada para cuidar de um arco tradicional, aceitei feliz o desafio.
Construir arcos é quase uma gestação. Primeiro você visualiza o produto final, imagina suas cores, o formato do punho, sua potência e a curvatura de suas lâminas. Depois é hora de verificar qual material será preciso para confeccionar o arco. A quantidade e qualidade devem ser suficientes, com o risco de não se conseguir terminar o que começou.
Começando o longbow do Aventureiro
Antes de mais nada, o primeiro material que precisei foi o bambu, fibra de carbono da natureza, com fibras retilíneas e uniformes, mais densas quanto mais se aproximam da casca.
Depois de colher o bambu e deixa-lo secar por alguns meses, fazemos algumas ripas, que futuramente se tornarão finas tiras com 4 a 6mm de espessura.
Essa tira cuidadosamente desbastada será o backing do arco, ou seja, o elemento estrutural que recebe a força tração nas costas do arco. Sem esta proteção muito provavelmente as fibras da madeira começarão a arrepiar e em breve o arco se romperá, isso quando não estoura nas mãos do arqueiro na primeira puxada.
Apoiado sobre o próprio stave de Ipê que fará parte do arco e preso na morsa e com sargentos, a tira de bambu vai tomando forma gradativamente, respeitando as suaves curvas que as fibras são forçadas a fazer por causa dos nós.
Os nós também são desbastados na parte de fora, de maneira que o arco tenha uma superfície mais lisa e um aspecto mais bonito. Cabe ressaltar que não é retirado todo o “calombo” formado pelo nó, mas permitindo que uma leve saliência fique registrada na superfície do bambu, pois ali há uma alteração no sentido natural das fibras, e retirar todo o material sobressalente diminuiria demais a resistência naquele ponto.
Preparo da madeira
Depois de devidamente trabalhado o bambu para o backing, iniciei o trabalho de preparo da madeira para o arco, o Ipê. Cabe aqui uma observação, a confecção de arcos é tradição dos flatbows dos índios norte-americanos, incorporada a processos mais modernos de fabricação. Assim sendo, o design mais ergonômico e estético nos punhos criou o que se convencionou chamar de longbow moderno, ou híbrido, que seria a denominação mais correta com formato das lâminas flat e perfil mais alongado como os longbows ingleses.
Mas voltando ao assunto da madeira, os gringos descobriram o ipê brasileiro e há uma enxurrada de artigos de construção de arcos com esta madeira, e muitos a consideram superior até do que as lendárias “osage orange” e o “yew” que é o teixo. Nesse sentido, estamos extremamente bem servidos de madeira para construção de arcos e não é à toa que nossos índios chamavam o ipê de Pau d´arco.
A ripa de ipê devidamente retificada passa por um processo de aquecimento em vapor, e suas extremidades são tencionadas de maneira que tomem a forma reflex deflex desejada.
Colagem do backing
Depois da madeira e do bambu devidamente preparados, passamos para a etapa de colagem. Além da cola, devemos preparar algumas coisas antes de iniciar efetivamente o processo. Primeiramente é preciso ter em mãos alguns sargentos, que serão essenciais para um correto posicionamento e pressão para a colagem. Também é interessante fazer algumas tiras de borracha de pneu, e os gabaritos, que são pequenos toquinhos de madeira cortados na medida das curvaturas pretendidas.
As tiras de pneu, são usadas para auxiliar os sargentos a exercer pressão entre o bambu e a madeira, e também para distribuir uniformemente esta pressão.
A cola que utilizo, depois de algumas experiências malsucedidas, é a Cascophen. Ela é um adesivo com base em resorcinol formaldeídeo, que simplesmente “solda” a madeira, sendo utilizada inclusive na confecção de varas de pescar de bambu. Muitos bowyers utilizam adesivos epoxi, dentre eles o araldite 24h, mas eu não me adaptei bem ao epoxi, tendo tido melhores resultados com a Cascophen. Ressalto porém que, se as proporções indicadas pelo fabricante não forem devidamente respeitadas, assim como o tempo de secagem, provavelmente seu backing de bambu descolará.
Depois de aproximadamente uma semana o arco é “desenformado”. Neste momento se avalia a qualidade da colagem, verificando se houveram falhas ou descolamento em algum ponto. Qualquer falha identificada neste momento deve ser motivo para abortagem completa da construção e que se refaça todo o procedimento de colagem. Jeitinhos e remendos podem, e vão comprometer completamente a qualidade e durabilidade do futuro arco.
Colagem do punho
Depois de limpar e deixar o arco no perfil correto é hora da colagem do punho, usam-se os mesmos cuidados da colagem do backing.
Depois de colada, trabalha-se a madeira até o formato desejado. Eu gosto muito deste modelo. É elegante mas ao mesmo tempo simples. Existem muitos modelos de punhos para arcos, uma consulta rápida no google mostra o universo de modelos existentes.
Tiller
Feito o punho, entramos na parte mais importante da confecção do arco, o Tiller. Este é o desbaste gradual das lâminas, de forma que ao retesar a corda ambos os lados curvem-se por igual, sem pontos de curvatura excessiva. Vale lembrar que, em uma arco tipo deflex/reflex como este, a curvatura se mostra aparentemente desigual. Isto ocorre porque parte da lâmina está pré-curvada positivamente e parte negativamente. Desta forma, o comportamento das laminas frente o puxar da corda será proporcional à esta forma pré-definida, alcançando a curvatura mais uniforme e arredondada somente no final da puxada, a chamada full draw.
Acabamento do longbow do Aventureiro
Depois de desbastado o arco, entramos na etapa de acabamento, onde são confeccionados os nocks, o arco é lixado e polido e por fim envernizado.
Neste arco eu usei verniz automotivo, mas já fiz acabamento com seladora e cera com bons resultados.
O amigo Miranda foi buscar pessoalmente o arco, e aproveitamos para botar o papo em dia e dar uns tiros de estreia do arco.
O aventureiro demonstrando sua habilidade logo que chegou em casa acrescentou um belo couro ao rest do arco, completando assim o ar tradicionalista do longbow!
Espero que tenham gostado!
Em breve postarei algumas fotos de outros trabalhos e estarei atualizando artigos de passo-a-passo ou tutoriais relacionados à construção e tiro com arco.
Um grande abraço e bons tiros!